É claro que não se trata de
onipresença, mas estar em qualquer lugar da horta é como que estar um pouquinho
em todos os outros. De todas as atividades, desde a aprender o manuseio das
ferramentas, seja usando a lima ou aperfeiçoando o movimento para usar o enxadão,
um arquivo central é acessado, e vem então toda a memória das falhas e dos
acertos, que nos permitem aprender , trabalhar, criar.
O
viveiro é o espaço em que as sementes des(a)pertam , transformando-se em mudas
que depois serão acolhidas em algum dos canteiros feitos para recebe-las, onde
então tornar-se-ão plantas grandes, para alimentarem ou para gerarem novas
sementes.
Um espaço que é preciso atenção constante. Atentar para os momentos de rega,
para o preparo cuidadoso da terra das sementeiras, e para o colocar das
sementes em cada célula. No momento certo (como perceber quando é ele? Faz
parte do observar...), cuidar para fazer o “repique”, nome dado ao processo de
separação das mudinhas antes que fiquem grandes de mais para tal. Relacionamo-nos com o mundo graças aos nossos sentidos. Tato,
olfato, audição, visão e paladar. Quando
estamos dentro do viveiro, do nosso tato flui nossos cuidados... Manuseando a
terra, as sementes, as pontas do dedo: descobrimos que nossas mãos vão para
além das funções mecânicas. Mãos semeadoras. Mãos colhedoras. Mãos artísticas.
É nessa descoberta das mãos que se percebe que para ser, basta fazer. E para
fazer, basta estar. Estar dentro daquilo que se pretende, dentro da semente...
E se assim for, tem-se então um broto germinado.
Observar.
Colocar na terra. “Surge uma pequena elevação! Agora, já vejo uma folhinha. E
agora, duas folhinhas! Que será que plantamos aqui? O formato dessa folha
parece tomate... ah não, é mostarda”. Saber qual é qual, quem é quem.
Observar. Passar a linha de um lado para outro, de baixo para cima. Surge uma
teia de fios, ou uma estrela de oito pontas. Pintar uma folha em branco. Cores
que se complementam, cores se contrastam. Ras-COR-tar , rasgar ou cortar cores,
rascunhos, desenhos, e juntá-los numa composição. Dobrar folhas e costurá-las.
Montar um caderno. “Ah, essas cores não combinaram... esses fios ficaram
frouxos. A capa do caderno deu errado! Como faço? Deu certo!”
Toda
cria(ção) surge a partir do momento que o broto germina. Perceber que a
audição, o olfato e a visão sempre estão. Mas o tato e a visão, junto com a
praxe, é quem faz a ponte entre o observar e o aprender. É nesse ambiente que
percebemos que a audição não é o sentido fundamental para o aprendizado –
ressignificando os sentidos para que se faça sentido!
Do
ciclo das plantas para a criação artística, do germinar uma semente ao brotar
uma arte: não existe um ponto inicial, nem um fim exato. Podem começar em lugar
nenhum e terminar em qualquer lugar – ou o contrário, se preferir. Para cada
um, percepções e perspectivas resultam em diferentes aprendizados, diferentes
indivíduos. O broto ramifica-se e para cada ramo, uma expressão (criação)
diferente, que só acontece pela interação com segundos e terceiros - animados (animo) ou não.
Somos
todos viveiros. Dentro de nós, muitas sementes. Nessa atmosfera diferente,
desejamos que as crianças aspirem um ar que faça brotar essas diferentes
sementes, sejam de plantas, sejam de artes, e que se percebam pequenos
artistas, ou melhor, arteiros.
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