terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Diz que é superior...




Querido mascu: se você vive com esse discurso de que a racionalidade é o que nos faz diferente e principalmente superior aos demais animais, por favor: utilize esse seu argumento justamente para não se comportar como essas outras espécies de animais em que os machos ficam lutando como demonstração de força, virilidade, para serem escolhidos (que você tanto se diz “superior”). No mundo da racionalidade, é seu cérebro quem deveria demonstrar algum benefício como parceiro, e não seu dinheiro, muito menos sua força, seu músculo ou seu pinto.

Sobre aquela caixa amarela...


Dúvida, curiosidade, ansiedade...
Surpresa! Ah! Uau!
“Que legal... Que legal... Que massa, que massa! Nossa, noooossa!!! Ahhhh!!!”
Uma caixa mágica. A memória daquilo que se sabe mas que nunca se viu. O primeiro item: um casulo. E tudo foi exatamente como o surgir de uma borboleta, o desabrochar do casulo – como serão as asas, quais serão as cores. O que esperar? E depois, perceber que o que se esperava não  se compara nem a encontrar grão de areia em meio a uma praia inteira de descobertas.
Logo percebi que a caixa era um casulo de imagens e emoções.
A cada objeto, a cada fruto, semente, folha, uma emoção diferente, singular. Ao tirá-lo da caixa, construir uma única imagem com um tanto de história... Sensações indescritíveis.
Parecia que, em algum momento dessa minha vida – mundana ou não – eu já havia tido contato com tudo aquilo, mas que em algum momento eles ficaram escondidos em minha memória. Algo me tocou, pensando nos aspectos acadêmico:  como pode estudarmos tanto uma planta, tanta descrição, e não termos contato ao menos uma vez (na grande parte das vezes) com o exemplar daquilo que estudamos?
O redescobrir e, com ele o se emocionar... Como pode a natureza mudar tanto? Uma folha seca não nos é tão comum quanto uma folha verde ainda presa em sua árvore mãe. Aí, ao descobrir  que aquela folha verde tão costumeira ao nosso olhar é exatamente aquela que se transformou numa obra de arte da natureza, uma renda tão bonita, tão delicada que nos causa tanto encantamento e surpresa... Ah!
Perceber. Perceber (mais uma vez, como sempre) que a natureza não tem uma única finalidade. O fruto não só protege as sementes, mas pode ser também um instrumento. O algodão não só ajuda a dispersão das sementes, mas também servirá para tecer os fios! Perceber os ciclos, a natureza, perceber a relação natureza-natureza, natureza-animais...
Redescobrir coisas que eu não sabia que conhecia, reviver (e tão intensamente) outras que, um dia, já exerceram um poder mágico sobre mim – ah aquela concha, aquele cheiro de mar, de oceano, de imensidão... e as pedras! As pedras, as cachoeiras, a correnteza, a voz falando “Janaina! Firma esses pés na pedra, presta atenção na correnteza! Sinta essa energia...” Percebo que agora até a água, a correnteza, apareceu magicamente aqui. Lágrimas, alegria, emoção!
E é isso. Poderia olhar para cada item e tentar escrever linhas e linhas de cada um... Baldado.  A emoção foi tão intensa, que muito provavelmente ninguém, ao ler isso aqui, irá senti-la em seu completo...
Sublimarte.

A cria e ação


               Tudo começou numa conversa entre nós, participantes do projeto. Uma conversa típica de roda de amigos, descontraída, com risos e desabafos. Estes eram em sua grande parte relacionados à criação do personagem que interpretaríamos (interpretar? Hoje já não sei como chamar essa ação, logo menos explico o porquê) enquanto as crianças estivessem na horta.
              Em minha cabeça, as ideias do que ser iam e vinham, nenhuma delas muito convincentes de que seriam a melhor escolha... De repente, toda a aflição que me envolvia por conta da minha ansiedade, transformou-se no êxtase da criação. Longe de tudo o que eu poderia imaginar, de todas as ideias que já tinham passeado pela minha mente, surge um coelho!  Surgiu depois de o João nos ter contado sobre seu personagem –   Arruda “o mágico de bermuda, que do broto faz a muda”. Um mágico, numa horta... um coelho.
             Sabido qual seria meu personagem, outra aflição (seria eu a ansiedade em pessoa?): como seria interpretar esse personagem? Sua personalidade? Como é um coelho? Como ele agiria? Perguntas as quais todas as respostas que tentava encontrar foram em vão. Em vão porque, ao colocar a máscara pela primeira vez, tudo mudou. Foi numa tarde em que semearíamos. Quando a coloquei, a primeira grande diferença foi a voz. E ao preparar a terra, a vontade de fazer uma traquinagem. E daí, muitas outras características que vieram a me tomar conta sem, em nenhum momento, eu ter pensado delas: um coelho aprendiz, que gostava de trabalhar na horta, mas muito arteiro e as vezes artista. Guloso, e um pouco interesseiro (queria saber todos os processos para o funcionamento dos diferentes ciclos da horta para um dia, quando crescer,  ter a sua própria!). Todas as vezes em que coloquei a máscara, parece que em algum lugar adormecia meu verdadeiro eu, e imediatamente a Chin Chin despertava. Por isso a dificuldade em dizer que eu interpreto um coelho. Eu não interpreto, ele é quem por si só faz. Sinto-me apenas como mediadora. Mas ao longo do tempo, fui percebendo esse desdobramento, me percebendo como criadora do personagem apesar de ainda ter dificuldades em controla-lo.
             Da criação do nome: Chin-chin surgiu enquanto estávamos a caminho da escola, que faríamos a visita e convidaríamos as crianças a participar do projeto. Chin-chila. Pensava num nome que não designasse diretamente o gênero (até hoje é difícil responder a essa questão, se é que ela importa), e que fosse fácil. Chin-chin. Mas sentia falta de algo mais “crioulo”. Foi quando, numa aula, descubro que existe um coelho nativo do Brasil, ao qual os índios chamam de Tapiti! Mas que será de fato nome e não sobrenome para as turmas que virão.
                Das lembranças de Chin-Chin: é muito curioso pra mim como reajo as coisas quando estou com a máscara. Tento me enxergar fazendo as coisas que Chin-Chin faz. No primeiro dia, Chin-chin estava passeando pelo canteiro, quando o Cachola aparece para assustá-lo. É preciso muita agilidade pra fugir de um cachorro grande. Assim, Chin-Chin sai salticorrendo em disparada – certamente eu, Janaina, não reagiria assim. Provavelmente até eu conseguir reagir a um cachorro, já teria sido atacada!
                Uma das coisas que mais me marcou foi a reação de uma das crianças quando tentou tirar minha máscara. Quase todas as crianças entraram na mesma frequência que a Chin-chin estava, e nem questionaram se aquilo era ou não uma pessoa por trás de uma máscara, um personagem. No entanto, algumas queriam que eu tirasse a máscara. Aí Chin-chin respondeu: “mas é difícil tirá-la. Me cansa muito... mas você pode tentar”. É claro que a máscara estava presa de uma maneira que eu sabia que seria difícil de sair. Assim que a criança puxou a máscara, Chin-chin fechou os olhos, respirou fundo. A criança insistia. Chin-chin começou a amolecer o corpo, a respiração começou a enfraquecer. Nesse momento, outra criança, que também queria que a máscara fosse retirada, tirou a mão da amiga e disse, aflita “para! A energia dela tá acabando, deixa ela assim!”. Nesse momento, todas as crianças que estavam querendo que a máscara fosse retirada, tentaram segurar a Chin-Chin (que estava sentada, quase deitando no chão), e nunca mais pediram pra eu tirar a máscara... a não ser, no último encontro  da primeira turma, e ainda assim, alguns minutos antes de entrarem no ônibus. E foi muito bonito.
 Percebi que toda essa vivência funcionou como uma intervenção artística para as crianças. Resolvi tirar a máscara, já que se tratava do último dia. Antes de tirar a máscara, Chin-chin disse “então eu vou tirar a máscara, mas aí não sou eu quem estará aqui, e sim minha criadora. Ela se chama Janaina, tá? Conheçam-na então”, e tirei a máscara. Cumprimentei a todos com minha própria voz, e me apresentei pela primeira vez. Percebi muitos olhares: e surpresa, de alegria, de dúvida. Alguns me pareceram desapontados. Então pediram que eu colocasse novamente a máscara. Coloco, e Chin-chin fala algo rapidamente. E tiro novamente. Percebo uma certo espanto quanto a essa dualidade de personalidade Janaina x Chin-chin. Mas o mais interessante, o mais fascinante: muitos queriam colocar a máscara. O primeiro que a colocou e falou algo: falou com uma voz completamente diferente! Assim como acontecia com Janaina e Chin-chin! Outros, depois dele, colocaram minha máscara e falaram com vozes diferentes. E assim, eu, Janaina, os cumprimentava “Nossa, prazer! Que voz diferente! Como você chama?”. A surpresa foi quando um deles me disseram “sou xixi, primo do Chin-Chin”.  A máscara me pareceu um artefato de criação. Ao colocá-las, as crianças mudavam alguma coisa em seu comportamento. Algumas mudaram inclusive a personalidade. Sem ninguém pedir para que criassem, inventassem. Naturalmente.

Do semear no viveiro ao brotar da cria-ação


É claro que não se trata de onipresença, mas estar em qualquer lugar da horta é como que estar um pouquinho em todos os outros. De todas as atividades, desde a aprender o manuseio das ferramentas, seja usando a lima ou aperfeiçoando o movimento para usar o enxadão, um arquivo central é acessado, e vem então toda a memória das falhas e dos acertos, que nos permitem aprender , trabalhar, criar.
                O viveiro é o espaço em que as sementes des(a)pertam , transformando-se em mudas que depois serão acolhidas em algum dos canteiros feitos para recebe-las, onde então tornar-se-ão plantas grandes, para alimentarem ou para gerarem novas sementes.
Um espaço que é preciso atenção constante. Atentar para os momentos de rega, para o preparo cuidadoso da terra das sementeiras, e para o colocar das sementes em cada célula. No momento certo (como perceber quando é ele? Faz parte do observar...), cuidar para fazer o “repique”, nome dado ao processo de separação das mudinhas antes que fiquem grandes de mais para tal. Relacionamo-nos  com o mundo graças aos nossos sentidos. Tato, olfato, audição, visão  e paladar. Quando estamos dentro do viveiro, do nosso tato flui nossos cuidados... Manuseando a terra, as sementes, as pontas do dedo: descobrimos que nossas mãos vão para além das funções mecânicas. Mãos semeadoras. Mãos colhedoras. Mãos artísticas. É nessa descoberta das mãos que se percebe que para ser, basta fazer. E para fazer, basta estar. Estar dentro daquilo que se pretende, dentro da semente... E se assim for, tem-se então um broto germinado.
                Observar. Colocar na terra. “Surge uma pequena elevação! Agora, já vejo uma folhinha. E agora, duas folhinhas! Que será que plantamos aqui? O formato dessa folha parece tomate... ah não, é mostarda”. Saber qual é qual, quem é quem.
Observar. Passar a linha de um lado para outro, de baixo para cima. Surge uma teia de fios, ou uma estrela de oito pontas. Pintar uma folha em branco. Cores que se complementam, cores se contrastam. Ras-COR-tar , rasgar ou cortar cores, rascunhos, desenhos, e juntá-los numa composição. Dobrar folhas e costurá-las. Montar um caderno. “Ah, essas cores não combinaram... esses fios ficaram frouxos. A capa do caderno deu errado! Como faço? Deu certo!”
                Toda cria(ção) surge a partir do momento que o broto germina. Perceber que a audição, o olfato e a visão sempre estão. Mas o tato e a visão, junto com a praxe, é quem faz a ponte entre o observar e o aprender. É nesse ambiente que percebemos que a audição não é o sentido fundamental para o aprendizado – ressignificando os sentidos para que se faça sentido!
                Do ciclo das plantas para a criação artística, do germinar uma semente ao brotar uma arte: não existe um ponto inicial, nem um fim exato. Podem começar em lugar nenhum e terminar em qualquer lugar – ou o contrário, se preferir. Para cada um, percepções e perspectivas resultam em diferentes aprendizados, diferentes indivíduos. O broto ramifica-se e para cada ramo, uma expressão (criação) diferente, que só acontece pela interação com segundos e terceiros - animados (animo) ou não.
                Somos todos viveiros. Dentro de nós, muitas sementes. Nessa atmosfera diferente, desejamos que as crianças aspirem um ar que faça brotar essas diferentes sementes,  sejam de plantas,  sejam de artes, e que se percebam pequenos artistas, ou melhor, arteiros.

Da experiência no projeto Sementes Crioulas


(...)
     A vida passa quase que sem vida. Tenho aprendido a observar. Focar o olhar. Aguçar os sentidos! Existe muito para além do comum-normal-habitual. Como desnaturalizar o habitual para realmente encontrarmos nossa natureza? E como aprender isso? Ouvindo? Olhando? Tocando?
    O pouco que aprendi já é muito. O cuidado com as sementes. O uso de algumas plantas para nossa saúde, alimentando e curando. E a percepção em si... Não sabia que sabia sobre arte. Apreciar ou fazer uma arte. Tenho percebido que a arte é fluídica, basta se permitir. Parece-me quase que impossível exprimir tudo o que acontece, as sensações. São surpresas sempre.
    Algo interessante, a criação do personagem. Por estar condicionada a compreender as atividades como obrigações, de início foi uma grande aflição. De repente, parece que o personagem chegou até mim! Como se eu estivesse a beira de um rio naquela angustia-espera para que algo aconteça, e a correnteza traz uma barca  exatamente com aquilo que precisava. Mais uma vez, parece que se trata de deixar fluir e permitir. Queria um personagem travesso, vivaz, espertalhão. Mas como transportá-lo para o espaço viveiro-horta?       Descobrindo que aquele que dividirá o espaço criou um personagem que permite a criação de um outro personagem, com as características que eu gostaria. O mágico e o coelho! Coelho travesso, comilão, interesseiro! Que sabe muito bem sobre as mudinhas do viveiro e onde coloca-las na horta... que quer cuidar para que elas cresçam fortes  e fiquem bem grandes, para que ele coma tudo! E por aí vai... Um coelho-criança-arteiro.