terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A cria e ação


               Tudo começou numa conversa entre nós, participantes do projeto. Uma conversa típica de roda de amigos, descontraída, com risos e desabafos. Estes eram em sua grande parte relacionados à criação do personagem que interpretaríamos (interpretar? Hoje já não sei como chamar essa ação, logo menos explico o porquê) enquanto as crianças estivessem na horta.
              Em minha cabeça, as ideias do que ser iam e vinham, nenhuma delas muito convincentes de que seriam a melhor escolha... De repente, toda a aflição que me envolvia por conta da minha ansiedade, transformou-se no êxtase da criação. Longe de tudo o que eu poderia imaginar, de todas as ideias que já tinham passeado pela minha mente, surge um coelho!  Surgiu depois de o João nos ter contado sobre seu personagem –   Arruda “o mágico de bermuda, que do broto faz a muda”. Um mágico, numa horta... um coelho.
             Sabido qual seria meu personagem, outra aflição (seria eu a ansiedade em pessoa?): como seria interpretar esse personagem? Sua personalidade? Como é um coelho? Como ele agiria? Perguntas as quais todas as respostas que tentava encontrar foram em vão. Em vão porque, ao colocar a máscara pela primeira vez, tudo mudou. Foi numa tarde em que semearíamos. Quando a coloquei, a primeira grande diferença foi a voz. E ao preparar a terra, a vontade de fazer uma traquinagem. E daí, muitas outras características que vieram a me tomar conta sem, em nenhum momento, eu ter pensado delas: um coelho aprendiz, que gostava de trabalhar na horta, mas muito arteiro e as vezes artista. Guloso, e um pouco interesseiro (queria saber todos os processos para o funcionamento dos diferentes ciclos da horta para um dia, quando crescer,  ter a sua própria!). Todas as vezes em que coloquei a máscara, parece que em algum lugar adormecia meu verdadeiro eu, e imediatamente a Chin Chin despertava. Por isso a dificuldade em dizer que eu interpreto um coelho. Eu não interpreto, ele é quem por si só faz. Sinto-me apenas como mediadora. Mas ao longo do tempo, fui percebendo esse desdobramento, me percebendo como criadora do personagem apesar de ainda ter dificuldades em controla-lo.
             Da criação do nome: Chin-chin surgiu enquanto estávamos a caminho da escola, que faríamos a visita e convidaríamos as crianças a participar do projeto. Chin-chila. Pensava num nome que não designasse diretamente o gênero (até hoje é difícil responder a essa questão, se é que ela importa), e que fosse fácil. Chin-chin. Mas sentia falta de algo mais “crioulo”. Foi quando, numa aula, descubro que existe um coelho nativo do Brasil, ao qual os índios chamam de Tapiti! Mas que será de fato nome e não sobrenome para as turmas que virão.
                Das lembranças de Chin-Chin: é muito curioso pra mim como reajo as coisas quando estou com a máscara. Tento me enxergar fazendo as coisas que Chin-Chin faz. No primeiro dia, Chin-chin estava passeando pelo canteiro, quando o Cachola aparece para assustá-lo. É preciso muita agilidade pra fugir de um cachorro grande. Assim, Chin-Chin sai salticorrendo em disparada – certamente eu, Janaina, não reagiria assim. Provavelmente até eu conseguir reagir a um cachorro, já teria sido atacada!
                Uma das coisas que mais me marcou foi a reação de uma das crianças quando tentou tirar minha máscara. Quase todas as crianças entraram na mesma frequência que a Chin-chin estava, e nem questionaram se aquilo era ou não uma pessoa por trás de uma máscara, um personagem. No entanto, algumas queriam que eu tirasse a máscara. Aí Chin-chin respondeu: “mas é difícil tirá-la. Me cansa muito... mas você pode tentar”. É claro que a máscara estava presa de uma maneira que eu sabia que seria difícil de sair. Assim que a criança puxou a máscara, Chin-chin fechou os olhos, respirou fundo. A criança insistia. Chin-chin começou a amolecer o corpo, a respiração começou a enfraquecer. Nesse momento, outra criança, que também queria que a máscara fosse retirada, tirou a mão da amiga e disse, aflita “para! A energia dela tá acabando, deixa ela assim!”. Nesse momento, todas as crianças que estavam querendo que a máscara fosse retirada, tentaram segurar a Chin-Chin (que estava sentada, quase deitando no chão), e nunca mais pediram pra eu tirar a máscara... a não ser, no último encontro  da primeira turma, e ainda assim, alguns minutos antes de entrarem no ônibus. E foi muito bonito.
 Percebi que toda essa vivência funcionou como uma intervenção artística para as crianças. Resolvi tirar a máscara, já que se tratava do último dia. Antes de tirar a máscara, Chin-chin disse “então eu vou tirar a máscara, mas aí não sou eu quem estará aqui, e sim minha criadora. Ela se chama Janaina, tá? Conheçam-na então”, e tirei a máscara. Cumprimentei a todos com minha própria voz, e me apresentei pela primeira vez. Percebi muitos olhares: e surpresa, de alegria, de dúvida. Alguns me pareceram desapontados. Então pediram que eu colocasse novamente a máscara. Coloco, e Chin-chin fala algo rapidamente. E tiro novamente. Percebo uma certo espanto quanto a essa dualidade de personalidade Janaina x Chin-chin. Mas o mais interessante, o mais fascinante: muitos queriam colocar a máscara. O primeiro que a colocou e falou algo: falou com uma voz completamente diferente! Assim como acontecia com Janaina e Chin-chin! Outros, depois dele, colocaram minha máscara e falaram com vozes diferentes. E assim, eu, Janaina, os cumprimentava “Nossa, prazer! Que voz diferente! Como você chama?”. A surpresa foi quando um deles me disseram “sou xixi, primo do Chin-Chin”.  A máscara me pareceu um artefato de criação. Ao colocá-las, as crianças mudavam alguma coisa em seu comportamento. Algumas mudaram inclusive a personalidade. Sem ninguém pedir para que criassem, inventassem. Naturalmente.

Nenhum comentário: