Tudo começou numa conversa entre nós, participantes do projeto. Uma
conversa típica de roda de amigos, descontraída, com risos e desabafos. Estes
eram em sua grande parte relacionados à criação do personagem que
interpretaríamos (interpretar? Hoje já não sei como chamar essa ação, logo
menos explico o porquê) enquanto as crianças estivessem na horta.
Em
minha cabeça, as ideias do que ser iam e vinham, nenhuma delas muito
convincentes de que seriam a melhor escolha... De repente, toda a aflição que
me envolvia por conta da minha ansiedade, transformou-se no êxtase da criação.
Longe de tudo o que eu poderia imaginar, de todas as ideias que já tinham
passeado pela minha mente, surge um coelho!
Surgiu depois de o João nos ter contado sobre seu personagem – Arruda
“o mágico de bermuda, que do broto faz a muda”. Um mágico, numa horta... um
coelho.
Sabido
qual seria meu personagem, outra aflição (seria eu a ansiedade em pessoa?):
como seria interpretar esse personagem? Sua personalidade? Como é um coelho? Como
ele agiria? Perguntas as quais todas as respostas que tentava encontrar foram
em vão. Em vão porque, ao colocar a máscara pela primeira vez, tudo mudou. Foi
numa tarde em que semearíamos. Quando a coloquei, a primeira grande diferença
foi a voz. E ao preparar a terra, a vontade de fazer uma traquinagem. E daí,
muitas outras características que vieram a me tomar conta sem, em nenhum
momento, eu ter pensado delas: um coelho aprendiz, que gostava de trabalhar na
horta, mas muito arteiro e as vezes artista. Guloso, e um pouco interesseiro
(queria saber todos os processos para o funcionamento dos diferentes ciclos da
horta para um dia, quando crescer, ter a
sua própria!). Todas as vezes em que coloquei a máscara, parece que em algum
lugar adormecia meu verdadeiro eu, e imediatamente a Chin Chin despertava. Por
isso a dificuldade em dizer que eu interpreto um coelho. Eu não interpreto, ele
é quem por si só faz. Sinto-me apenas como mediadora. Mas ao longo do tempo,
fui percebendo esse desdobramento, me percebendo como criadora do personagem
apesar de ainda ter dificuldades em controla-lo.
Da
criação do nome: Chin-chin surgiu enquanto estávamos a caminho da escola, que
faríamos a visita e convidaríamos as crianças a participar do projeto.
Chin-chila. Pensava num nome que não designasse diretamente o gênero (até hoje
é difícil responder a essa questão, se é que ela importa), e que fosse fácil.
Chin-chin. Mas sentia falta de algo mais “crioulo”. Foi quando, numa aula,
descubro que existe um coelho nativo do Brasil, ao qual os índios chamam de
Tapiti! Mas que será de fato nome e não sobrenome para as turmas que virão.
Das
lembranças de Chin-Chin: é muito curioso pra mim como reajo as coisas quando
estou com a máscara. Tento me enxergar fazendo as coisas que Chin-Chin faz. No
primeiro dia, Chin-chin estava passeando pelo canteiro, quando o Cachola
aparece para assustá-lo. É preciso muita agilidade pra fugir de um cachorro
grande. Assim, Chin-Chin sai salticorrendo em disparada – certamente eu,
Janaina, não reagiria assim. Provavelmente até eu conseguir reagir a um
cachorro, já teria sido atacada!
Uma
das coisas que mais me marcou foi a reação de uma das crianças quando tentou
tirar minha máscara. Quase todas as crianças entraram na mesma frequência que a
Chin-chin estava, e nem questionaram se aquilo era ou não uma pessoa por trás
de uma máscara, um personagem. No entanto, algumas queriam que eu tirasse a
máscara. Aí Chin-chin respondeu: “mas é difícil tirá-la. Me cansa muito... mas
você pode tentar”. É claro que a máscara estava presa de uma maneira que eu
sabia que seria difícil de sair. Assim que a criança puxou a máscara, Chin-chin
fechou os olhos, respirou fundo. A criança insistia. Chin-chin começou a
amolecer o corpo, a respiração começou a enfraquecer. Nesse momento, outra
criança, que também queria que a máscara fosse retirada, tirou a mão da amiga e
disse, aflita “para! A energia dela tá acabando, deixa ela assim!”. Nesse
momento, todas as crianças que estavam querendo que a máscara fosse retirada,
tentaram segurar a Chin-Chin (que estava sentada, quase deitando no chão), e
nunca mais pediram pra eu tirar a máscara... a não ser, no último encontro da primeira turma, e ainda assim, alguns
minutos antes de entrarem no ônibus. E foi muito bonito.
Percebi que toda essa vivência
funcionou como uma intervenção artística para as crianças. Resolvi tirar a
máscara, já que se tratava do último dia. Antes de tirar a máscara, Chin-chin
disse “então eu vou tirar a máscara, mas aí não sou eu quem estará aqui, e sim
minha criadora. Ela se chama Janaina, tá? Conheçam-na então”, e tirei a
máscara. Cumprimentei a todos com minha própria voz, e me apresentei pela
primeira vez. Percebi muitos olhares: e surpresa, de alegria, de dúvida. Alguns
me pareceram desapontados. Então pediram que eu colocasse novamente a máscara.
Coloco, e Chin-chin fala algo rapidamente. E tiro novamente. Percebo uma certo
espanto quanto a essa dualidade de personalidade Janaina x Chin-chin. Mas o
mais interessante, o mais fascinante: muitos queriam colocar a máscara. O
primeiro que a colocou e falou algo: falou com uma voz completamente diferente!
Assim como acontecia com Janaina e Chin-chin! Outros, depois dele, colocaram
minha máscara e falaram com vozes diferentes. E assim, eu, Janaina, os cumprimentava
“Nossa, prazer! Que voz diferente! Como você chama?”. A surpresa foi quando um
deles me disseram “sou xixi, primo do Chin-Chin”. A máscara me pareceu um artefato de criação.
Ao colocá-las, as crianças mudavam alguma coisa em seu comportamento. Algumas
mudaram inclusive a personalidade. Sem ninguém pedir para que criassem,
inventassem. Naturalmente.
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