Hoje, ao acordar, ouvi o silêncio da
aurora sendo encantado pelo piar dos pássaros. E nem meia horinha depois, o céu
recebendo aquele círculo de cor quente ainda pastel, que ainda dava pra se admirar sem ter de apertar os olhos.
Resolvi então lavar a roupa, e ainda acompanhada só da melodia passarinhal eu
me peguei escolhendo qual roupa deveria pendurar lado a lado, tentando deixar o
varal mais colorido possível (e não é que toda vez que lavo roupa um arco-íris aparece
eu meu varal? Só eu que gosto de combinar as cores? Adoro lavar roupas
aspirando este momento…). Logo foram aparecendo outros timbres na melodia, uma
voz aqui, um latido ali… Hoje eu tava para prestar atenção nessas pequenezas
que nos fazem sentir feliz e nem sabemos o que é… que de tão efêmero, se não
prestamos atenção, logo se perde, se vai…
Aproveitei a sintonia e fui cuidar das
plantas. Procurar pelas ferramentas que saíram trabalhar em outras hortas e não
voltaram, pegar a palha seca pra colocar na compostagem. A outra leira já tinha baixado e resolvi peneirar, o adubo
pretinho que só, cheio de baratinhas minhoquinhas e outras pequenininhas que
vivem lá. A lua minguante, quase nova, sugere-nos podar as verdinhas.
Aproveitei que peneirei a terra, e refiz todos os vasos. Todas bonitinhas,
felizes por esse adubo fresquinho. Também descobri que a zedoária se enroscou
toda na araruta, e por isso que tava aquela miscigenação toda das folhas! Que
lindeza o bege-azul dessa tal de zedoária, viu! E o cheiro que mistura cânfora
e alecrim, ai, que prazeroso é despertar nossos sentidos!
Tanta coisa gostosa e nem meio dia era.
Em meio dia fiz tanta coisa e com tal esmero que nem podia acreditar. É a gema
sempre latente do auto cultivo. E aí que fui me apercebendo de meus prazeres e
gozos. E me perguntei: quais será os prazeres das pessoas que não cultivam
plantas, ou não se atentam nas cores das roupas do varal, ou mesmo que ficam matutando
em quais ervinhas dariam um chá de deliciar o paladar e esquentar o coração?
Pensei ainda se existia felicidade onde não tem lápis de cor, giz de cera,
poesia ou melodia.
De tanto observar, trabalhar e pensar o
Sol começava a sua despedida, e fui tratando de podar o arbusto, rearranjar os
vasos, varrer a área, ajudar a pombinha machucada, guardar as ferramentas,
guardar o arco-íris no guarda-roupas e, nossa, o que mais? Meu coração
regozija-se com tantas suti(be)lezas!
E foi agora pouco, tomando banho, que
compreendi a minha inerente disposição para acordar sempre tão cedinho, meu
contentamento por conseguir escolher dormir cedo a sair pela madrugada… Se opto
pela madrugada à alvorada, poderia eu trazer o arco-íris ao meu varal?
Trabalhar com a terra, mexer na horta, manusear as ferramentas? Poderia eu me
atentar nas flores, na intensidade dos tons, ler um livro sentada em qualquer
lugar sem me preocupar com a eletricidade? Jamais desmerecendo o brilho das estrelas, a
sensualidade da Lua, nem o chamado das corujas! Mas me assumindo enquanto
mulher do Sol, e amante da Lua!