segunda-feira, 24 de julho de 2017

Dos diversos mundos

    Desde pequenininha é "olha que gracinha, como é serelepe" daqui, "nossa, mas que simpatia né! como conversa, como fala!" de lá, "nossa, mas como se entrosa bem essa menina, não?". É... uma criança bem fácil de lidar, bem amável, bem amante. Este encantamento das pessoas para comigo, no entanto, me parece reflexo do proporcional fascínio que tinha eu, pelo mundo.
    Verdades sejam ditas, apesar da facilidade do relacionamento, muito fui sentida como problema na escola. Imaginava de mais, criava de mais. Criava além dos momentos de desenho livre da aula de artes, ou do teatro. Se não podia ter algo que queria muito, em meu imaginário infantil tratava de fazer esse desejo tornar-se possível. Mas que perigo, que perigo! Isso não pode. Não pode inventar um mundo para ser feliz... há de se encontrar a felicidade dentro da realidade possível. Também não é muito bom ficar dando atenção pra essa história de amigo imaginário.
       "Que futuro esperamos de uma criança que inventa tanto?"  A minha reação diante das repreensões e questionamentos, sempre por parte da escola: confusão. Não entendia onde minha vida imaginária era tão prejudicial ou maléfica. Teríamos de ser felizes só dentro da realidade possível e nuclear? A tempo: de que realidade estamos falando? Aquela que só se conquista mediante dinheiro? Existem outras realidades possíveis?
       Mas minha mãe deixava, em casa sim, liberdade. Na escola aprendi que só podia falar sobre algumas coisas, e a duras custas em minha primeira década de vida sabia que era preciso agir pela convenção. Era preciso criar máscaras (e nem imaginava que teríamos um imenso depósito de máscaras ao longo da vida!). A sorte - e até mesmo o privilégio, ouso dizer - é que a minha casa era, em verdade, um planeta mágico. Era minha oca, e também meu reinado. Na minha casa, as máscaras ficavam na porta da rua e eu podia construir sim  minha realidade, inventando - com sabores e dissabores, alegrias e dores, aquilo que enquanto criança precisava para ser feliz.

    A medida que cresci, fui percebendo que essas coisas sempre aconteceriam: por um determinado momento, meu mundo interno era a igreja Protestante. Da mesma maneira, muitos me repreendiam - porque repreender não se faz apenas com palavras, se faz com olhares, com suspiros, com gestos - ou então, muitos não compreendiam. Nesta época, agora era na minha casa em que eu tive que aprender o que falar. Só poderia falar algumas coisas (não porque fui proibida, mas simplesmente por não me sentir compreendida). A igreja, a casa das amigas evangélicas, passaram a ser o refúgio dos pensamentos contidos.
   Tantas coisas mudam. Nunca me imaginei evangélica. Mas fui, e durante esse tempo, foi maravilhoso. Até hoje não consigo encontrar pontos que realmente me convençam de que tenha sido algo negativo. Mas como tudo muda, a gente amadurece. E assim foi... hoje não consigo me enxergar mais nessa doutrina.
   Mas lembrando, é o eterno ciclo: uma coisa vem, vai, outra aparece. E assim como os planetas giram em torno do Sol, nossos mundos vão girando em torno de nós. E vão encontrando lugares que possam ser compartilhados. Compartilhados? São tantos os viajantes! Será que alguém realmente já esteve só?

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